1.11.06

A verdade na ciência

Não tenho sido um assíduo seguidor da blogosfera nos últimos tempos, mas do pouco que tenho lido, segui com interesse a dicussão sobre a verdade e a incerteza na ciência, no Agreste Avena e no Conta-Natura. A discussão sobre ciência e epistemologia devia ser retomada com mais frequência, de modo que para começar, as guerras de ciência não se assemelhassem tanto a uma conversa de surdos devido à confusão de conceitos de ambas as partes. Como chego atrasado, não dou propriamente resposta a nenhum dos posts mas deixo só algumas ideias.

Uma das questões fundamentais com que esbarra uma discussão deste género é sobre a existência da verdade, e a nossa capacidade de a alcançar. Noutra altura talvez volte a pegar neste assunto, mas em muitas interpretações da física do século vinte parece chegar-se à conclusão de que é impossível aceder (no sentido de observar ou medir) à realidade. Eu não estou tão seguro que seja essa a interpretação da física quântica e das teorias do caos, parece-me simplesmente que andamos simplesmente a mudar as "propriedades fundamentais" que devem ser observadas para se conhecer o estado e a evolução futura do sistema.

Mas isto é só a interpretação das teorias, das construções lógicas da mente para compreender o que nos chega aos sentidos (directamente ou via instrumentos de medição). É possível que a realidade nada tenha que ver com este tipo de construções, que esteja assente em princípios completamente diferentes dos que é possível abarcar pelo modo de funcionamento da nossa mente, ou ainda que não possa ser enquadrada em leis matemáticas ou lógicas (não ponho aqui a hipótese de não existir qualquer verdade lógica porque nesta altura me parece inconcebível, dado o sucesso da ciência em tantas áreas). Por isso chamo metafísico a este problema, no sentido em que não muda grande coisa na aplicação da ciência: se existe uma verdade ela é inatingível pela observação e qualquer teoria deve ser tomada como uma aproximação. Não digo (nem penso) que um problema metafísico não deva ser discutido, e que não possa vir a ter implicações na forma de fazer ciência.

Voltando à questão da relação da verdade com o conhecimento, podemos dizer que uma teoria é válida quando está em acordo até certo ponto com aquilo que vemos... e nos permite prever o que vai acontecer a determinados sistemas com um grau de certeza bastante grande... até ser encontrado um novo fenómeno que está em completo desacordo com essa teoria e é necessário passar da física clássica à mecânica quântica.

Ainda assim, enquanto a teoria bate certo, bate até certo ponto, as observações caem sempre ligeiramente ao lado do que prevê a teoria... ou às vezes não tão ligeiramente, mas na física também temos critérios para dizer se o desvio é ligeiro (está dentro da margem de erro) ou não. E isto porque o tal sistema a estudar nunca está completamente isolado do resto do mundo: o chão vibra, o ar mexe-se, o experimentador tem que fornecer alguma energia (sob forma de luz por exemplo) ao sistema para que ele lhe diga em que estado está... E isso introduz flutuações aleatórias que fazem com que os pontos de medição formem uma nuvem mais ou menos concentrada em torno da linha que corresponde à "verdade" (científica).

Depois há aqueles erros que não são aleatórios. São "enviesamentos", podem ser causados por uma desafinação do instrumento de medida, ou por não se observar um ponteiro do ângulo correcto... às vezes porque espera determinados resultados tem menos tendência a dar-se conta dos erros que comete involuntariamente.

A solução para este problema passa por ter vários experimentadores a observar o mesmo fenómeno em vários lugares do mundo e seguindo técnicas de medição tão distintas quanto possível. É a única forma de provocar enviesamentos em tantas direcções possíveis que de facto se tornem aleatórios e é então possível fazer uma estatística das observações.

2 Comments:

Blogger Zèd said...

Concluo portanto que estás basicamente de acordo comigo :-).

Aliás quando abordas a questão metafísica vais até mais longe do que eu fui. Na parte final do post referes um ponto importante, com que naturalmente concordo, do erro experimental. A conclusão só pode ser que a Ciência não pode aspirar à verdade absoulta mas apenas à melhor aproximação possível.

8:41 AM  
Blogger Andre Goios said...

Pois, eu não sei se existe uma verdade... Cada teoria tem uma verdade, para a física clássica era a posição e a velocidade, para a quântica é a função de onda, digo eu.

E acho que pouco importa se a verdade existe ou não. Fazem-se observações, compara-se à teoria e se se ficar satisfeito ela pode ser utilizada para prever novos resultados.

A teoria, é pouco provável que corresponda à tal verdade, quanto às observações, são verdade a mais para a ciência... o problema é que põe em jogo demasiadas "verdades" (no sentido de sistemas).

2:37 AM  

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